Cursei recentemente a disciplina de Análise na Reta - com foco nos processos de ensino aprendizagem de matemática - ministrada pelo professor Victor Giraldo na UFRJ. Como vocês sabem, tenho me aventurado pelos caminhos da matemática formal há algum tempo e cursar esta disciplina me fez decidir abrir esta nova seção aqui no blog, que é matemática para o ensino de um ponto de vista formal, onde relembraremos e estabeleceremos pontes entre a matemática que estudamos na universidade e a matemática que ensinamos na escola.
Hoje, falarei das relações entre aritmética modular e divisão euclidiana (divisão com resto). Assim sendo, neste texto divido com você leitor(a) as minhas considerações sobre as relações entre estas duas temáticas a um jogo que já apresentamos aqui no blog (
caminhando com o resto), vamos lá?
O que é Divisão Euclidiana?
Na divisão euclidiana temos dois números naturais a e b; sendo a o dividendo e b (diferente de zero) o divisor, resultando em um quociente natural c e em um resto, também natural, d. A divisão euclidiana é o que conhecemos como divisão com resto.
Simplificando os fundamentos da Aritmética modular !?
Falando, de maneira bem simplificada, a Aritmética modular é também conhecida como Aritmética dos restos. Nela, formamos classes de equivalência em relação aos dividendos, divisores e restos de uma divisão euclidiana. Iniciarei sua apresentação com um exemplo numérico e depois generalizaremos juntos essa ideia:
1) Imagine os dividendos 12 e 22 e o divisor 10;
2) Ao dividirmos 12 por 10, temos o resto 2;
3) Ao dividirmos 22 por 10, temos o mesmo resto 2.
Isto significa que 12 e 22, em relação ao divisor 10, pertencem a uma mesma classe de equivalência para a divisão: a classe dos números que divididos por 10 resultam em resto 2. Isto pode ser representado da seguinte maneira: 2 mod 10.
Generalizando esse raciocínio, podemos dizer que qualquer número a dividido por um número b deixa resto c (a,b e c pertencentes aos naturais, b diferente de zero), e que tal pode ser escrito em forma de uma classe de equivalência da seguinte maneira: a = c mod b* (dividendo = resto mod divisor).
É importante salientar que zero também é resto, e que, em caso de dividendo (a) múltiplo do divisor (b) (a e b pertencentes aos naturais, b diferente de zero), teremos a = 0 mod b (dividendo = 0 mod divisor).
Relações entre Aritmética modular e o jogo caminhando com o resto: possibilidades de discussão para a educação básica
Relembro aqui de que se trata este jogo e quais são as suas regras: Trata-se de uma trilha de números naturais aleatórios que devem ser divididos por valores de 1 a 6 sorteados em um dado. Nele, dois (ou mais participantes jogam), um de cada vez; todos os participantes devem posicionar-se sobre o número que inicia a trilha (que é composta de números aleatórios e setas indicativas do caminho a ser feito até a chegada). O jogo se desenvolve em rodadas: a cada rodada cada participante rola o dado (de seis lados numerados de 1 a 6) e divide o valor da casa onde está pelo valor sorteado (exemplo: um participante está sobre o número 25 sorteia o número 4, neste caso ele andará uma casa pois o resto da divisão 25:4 é 1 e o participante caminhará uma casa, ou seja, até o número 13). O jogo segue até que algum dos participantes cruze a linha de chegada.
Durante o jogo os participantes vão caminhando, literalmente, com os restos de suas divisões. Tendo isto em mente, o professor pode ir encaminhando discussões durante o andamento do jogo, com vistas a construir a ideia de classes de equivalência da divisão, uma vez que com números diferentes os participantes podem andar o mesmo número de casas (obtendo os mesmos restos).
Vamos a um exemplo numérico: observe as casas 13 e 25, ambas, quando divididas por 6 - por exemplo - resultam em resto um. Ou seja, levam à classe de equivalência 1 mod 6; aqui, não importa se o jogador está na casa 13 ou na casa 25, se o número sorteado for 6, o participante caminhará apenas uma casa. Ou seja, sempre que situações como esta ocorrerem o professor pode levantar perguntas que levem os participantes a pensarem nos conceitos matemáticos em foco.
É claro que a formalização das classes de equivalência da divisão ( a = c mod b) não deverá ser feita em uma sala de aula da educação básica; mas sim a discussão das ideias que levem os alunos a construir este conceito, uma vez que ele é importante para a compreensão de outras ideias trabalhadas nesta etapa escolar, tais como: divisibilidade e primalidade, por exemplo.
Considerações Finais
Unir a matemática de um ponto de vista superior à educação básica tem sido objeto de estudo de diversos estudiosos, a saber, Felix Klein, Deborah Ball e Victor Giraldo, por exemplo. É dentro deste espírito que se encontra esta série de posts cujo objetivo é trazer a matemática formal estudada no ensino superior para o debate entre professores que ensinam matemática, apresentando possibilidades de conexões com o ensino de matemática na educação básica. Recomendo também a leitura, para aprofundamento das temáticas abordadas nesta série de posts, da coleção: Matemática para o Ensino-Livro do professor de Matemática na Educação Básica, de autoria de Cydara Ripoll, Letícia Rangel e Victor Giraldo.
* No texto utilizei o sinal de igual para me referir às classes de equivalência do tipo: a = c mod b, entretanto, na simbologia correta haveria um terceiro traço abaixo do sinal de igual para simbolizar equivalência, uma vez que não existe esta simbologia no blogger, optei por fazer esta ressalva no rodapé da postagem.
p.s. : Nesta postagem considero o zero pertencente aos naturais.
p.s. 2: Optamos pela apresentação intuitiva dos conteúdos abordados, para acessar as demonstrações e aprofundar as discussões propostas aqui recomendamos os excelentes livros editados pela SBM.