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O estudante nasce honesto e a prova o corrompe: Uma singela provocação sobre as práticas avaliativas e a corrupção*. Por Rafael Novoa.

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O título deste texto foi, obviamente, inspirado na célebre frase de Rousseau: “O homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe”.A...

O título deste texto foi, obviamente, inspirado na célebre frase de Rousseau: “O homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe”.Acredito que a escola atual pode estar fazendo jus a frase de Rousseau e contribuindo para a formação de cidadãos corruptos. É claro que não estou atribuindo a culpa da desonestidade humana à escola. Entendo que a educação começa a ser constituída em casa, no entanto, acredito que a escola pode ter uma parcela de responsabilidade. Minha hipótese é que momento de prova seja o ápice dessa influência escolar. 

Recentemente,assisti com uma palestra de um pesquisador do CEFET-RJ que realizou uma pesquisa de campo em uma escola na Finlândia. Durante sua fala, o proeminente pesquisador contou que em algumas situações os estudantes faziam as provas de matemática em casa. Isso mesmo! Em casa! Em seguida, relatou uma pergunta que fizera a um estudante finlandês do ensino médio: o professor não teme que você “cole” na prova? O estudante,que inicialmente se mostrou surpreso com a pergunta, respondeu que não havia sentido em copiar as respostas de alguém ou de algum lugar sabendo que era o objetivo das atividades era sua aprendizagem e se fizesse essa trapaça o maior prejudicado seria ele mesmo. 
Fonte da imagem: Canção Nova


Essa situação me fez refletir sobre alguns aspectos que discutirei nesse texto. 

1) Qual é o objetivo da avaliação escolar? 


A resposta dessa pergunta não é tal simples quanto pode parecer. O objetivo da avaliação para um docente, ou uma instituição de ensino, está atrelado a concepção filosófica e/ou sociológica de educação do docente ou do estabelecimento de ensino. Talvez o mais utilizado nas escolas seja a concepção tecnicista de “medir a aprendizagem”, associando a aprendizagem a um número (nota) ou conceito. Para, a partir daí classificar: apto ou não apto; aprovado ou não aprovado; 1º lugar, 2º lugar, e etc. 


Os índices estatísticos indicam que nosso modelo de educação – aulas expositivas, resolução de exercícios e exames – está falido. Segundo a agência Brasil, apenas 7,3% dos estudantes brasileiros que concluem o ensino médio sabem o mínimo necessário de Matemática. Isso é alarmante! Observe que o rendimento em Matemática é muito melhor nas séries iniciais, onde há um maior número de aulas e avaliações não-tradicionais. 


Existem, no entanto, outras perspectivas que podem nortear a prática avaliativa escolar. A avaliação pode ter como principal objetivo fornecer um feedback ao professor das dificuldades e deficiências na aprendizagem da turma, ajudando a elaborar estratégias para a aprendizagem. Ela pode também ser concebida não como um acerto de contas, e sim, um momento privilegiado de estudos, investigação e aprendizagem. Retornaremos a esse assunto em breve. Mas, antes... 

2) Por que é tão difícil para o professor de Matemática abrir mão da utilização das provas? 


Acredito que há muitos professores de Matemática que gostariam de mudar seu processo avaliativo. Mas, não conseguem! Dentre as possíveis razões, escolhi algumas para refletirmos. 

A primeira delas é que desde as séries iniciais aprendemos a avaliar desse modo. Nesse momento me pergunto quantas provas de matemática fiz como aluno e quantas elaborei como professor. Não sei qual desses dois conjuntos possui a maior cardinalidade. É difícil romper com esse paradigma. 

Em segundo lugar, nós professores acreditamos que a prova, em seu modo tradicional, exame individual, escrito, sem consulta e com tempo delimitado é um instrumento preciso e justo. Que associa uma medição da aprendizagem ou do conhecimento a um número ou uma nota. Segundo a pesquisadora inglesa Candia Morgan, nós presumimos que os indivíduos possuem atributos (como conhecimento, compreensão, habilidade, etc.) que são detectáveis e mensuráveis nas provas, e que o objetivo principal da avaliação é descobrir e medir esses atributos. Há uma crença entre nós professores e educadores de que os processos avaliativos praticados nas escolas são fundamentalmente benignos ou mesmo benéficos. Será que realmente medimos a aprendizagem? Será que as avaliações são realmente benéficas? 

Um terceiro motivo é a desonestidade, ou melhor, a presunção de desonestidade. Para um professor de História ou Geografia aplicar uma atividade avaliativa para uma turma, em forma de produção textual, por exemplo, obtendo diversos trabalhos, distintos e corretos não parece ser uma missão impossível. Para os professores de Física e Matemática, essa proposta avaliativa parece uma loucura. Que tipo de atividades ou questões usaríamos? Uma lista de exercícios? E se as respostas entregues forem iguais? Afinal, que tipo de professor eu seria se permitisse que meus alunos “colassem descaradamente”? 

3) Somos corruptos desde o berço! 


Imaginem uma criança de 2 anos, entrando na escola hoje. Depois de passar pelo Maternal, era irá para as classes de alfabetização e, em um curto espaço de tempo, ela passará a fazer provas. A aplicação será vigiada! Mesmo que ela não tenha cometido nenhuma corrupção na escola, ela será vigiada! Por que? 

Por quea escola “sempre” duvida da honestidade dos estudantes? 

Por que presumimos a culpa e não a inocência? Uma resposta plausível seria dizer: porque estamos no Brasil e não na Finlândia. Nós somos corruptos! Discordo,parcialmente, dessa resposta. 

Concordo quena Finlândia exista uma cultura de honestidade, de cumprimento das leis maior que a nossa. Há também características sociais, econômicas e geográficas que influenciam positivamente a postura das crianças. Aqui, infelizmente, tornamos a corrupção escolar algo sistemático: quem não cola, não sai dá escola. 

Nós brasileiros, por outro lado, também “educamos” para a corrupção, nesse momento incluo pais e educadores. Quão raro é um estudante devolver a prova corrigida dizendo que o professor atribuiu uma pontuação superior àquela que deveria ser atribuída!Se a desonestidade é uma característica do ser humano e deve ser combatida com educação, o que fazemos na escola para formar cidadãos mais honestos? As discussões de ética e moral ficam sob responsabilidade dos professores de humanas, do professor de educação física ou de todos nós?Qual é o impacto psicológico que a aplicação de “provas vigiadas” faz na formação dos estudantes? 

Outro aspecto importante está relacionado diretamente ao medir o conhecimento matemático... 

4) A avaliação como um momento de “fazer” matemática. 


O que é a matemática? Como se faz matemática? Arthur Ávila, talvez o maior matemático brasileiro da atualidade, vencedor da Medalha Field, disse em diversas entrevistas disponíveis na internet que “faz matemática” na praia. Relaxado, concentrado e num ambiente saboroso – Como diria o grande educador Rubem Alves, saber e sabor possuem a mesma origem epistemológica – e muito mais agradável que a escola. Nossa inspiração não acontece, necessariamente, com hora marcada, em um ambiente fechado e monitorado. Desse modo, acredito que nosso modelo avaliativo tradicional se limita a medir a capacidade de resolver provas e verificar, também, o desempenho dos estudantes quanto à memorização de procedimentos, de algoritmos e de fórmulas. 

Einstein dizia que para percorrer novos caminhos é necessário sair dos trilhos. Em geral, não há uma fórmula simples que resolva os problemas da educação, de modo análogo, não há a melhor estratégia avaliativa que funcionará em todos os casos. No entanto, devido a falência do nosso sistema educacional, não seria a hora de sairmos dos trilhos? 

Sugiro dois caminhos para essa mudança que, em meu ponto de vista, é necessária: 

Prova em Fases: Uma prova é aplicada em um momento inicial (fase 1), algo similar a prova tradicional. O professor recolhe a produção de alunos. Em vez de corrigi-las, atribuindo uma nota ou um conceito, o professor fornece orientações, indica erros no percurso e propõem outros modos de pensar e desenvolver a questão. Em outro dia, o professor devolve a prova com essas orientações. Os estudantes promovem essas alteraçõesem sala de aula ou em casa, como o professor preferir (fase 2). As provas são devolvidas em um terceiro momento, o professor corrige e atribui uma pontuação, encerrando a avaliação (fase 3). Se julgar necessário pode repetir o procedimento da fase dois (aumentando o número de fases) ou propor outras questões para que o estudante aprenda melhor o conceito que não foi devidamente compreendido. A ideia é que todos os estudantes sejam capazes de desenvolver as habilidades necessárias para a resolução daquela avaliação, cada um no seu tempo. 

Relatórios em atividades investigativas: Não preciso defender aqui os diversos benefícios para a educação da utilização de atividades lúdicas, jogos e atividades investigativas nas aulas de matemática. Esse site nos fornece diversos caminhos para mudar nossas aulas. E nós podemos usar essas atividades também para avaliar. Utilizando Modelagem Matemática ou atividades investigativas, de um modo geral,o professor pode solicitar aos seus estudantes relatórios e usá-los comométodoavaliativo. Esses relatórios podem ser construídos em grupo e/ou individualmente. Normalmente, os estudantes gostam muito dessas atividades. Além disso, a atividade em si, é mais propícia para o desenvolvimento do conhecimento matemático. Notem que não precisamos ter um laboratório de matemática para realizar experimentos e investigação com os nossos alunos, precisamos apenas de uma dose de coragem para inovar e estudo para nos guiar. 

Nessas duas perspectivas, a avaliaçãoadquire um caráter distinto daquela dita tradicional. Ela se tornaum instrumento de promoção da aprendizagem, um processo e não um produto.A avaliação passa a ser um filme e não uma foto. Os alunos, entretanto, mais conscientes das intenções e dos objetivos, provavelmente, serão mais honestos. 

Proponho que reinventemos nossa avaliação. Que ela seja um momento de saber e sabor. 

Proponho que nossa relação com nossos alunos seja pautada pela confiança e pelo respeito. 

Proponho que possamos avaliar contribuindo para uma aprendizagem matemática mais prazerosa. 

Proponho que sejamos melhores professores dando oportunidade aos nossos estudantes a serem mais honestos que nós! 

Este é um artigo convidado,  foi escrito e enviado por Rafael Novoaprofessor do IFRJ.
Prêmio Shell de Educação Científica
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Laboratório Sustentável de Matemática: O estudante nasce honesto e a prova o corrompe: Uma singela provocação sobre as práticas avaliativas e a corrupção*. Por Rafael Novoa.
O estudante nasce honesto e a prova o corrompe: Uma singela provocação sobre as práticas avaliativas e a corrupção*. Por Rafael Novoa.
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