Atualmente estou cursando a disciplina de Análise, ministrada pelo professor Victor Giraldo na UFRJ, com foco nos processos de ensino aprendizagem de matemática e, dentro desta disciplina, na construção dos conjuntos numéricos, me chamou a atenção a questão da estrutura da operação de soma dentro do conjunto dos inteiros. Também tenho compartilhado ideias e aprendido bastante com o professor Ion Moutinho da UFF que tem se dedicado a pesquisar o ensino de números reais. Dessa forma, decidi abrir uma nova seção aqui no blog que é matemática para o ensino de um ponto de vista formal, onde relembraremos e estabeleceremos pontes entre a matemática que estudamos na universidade e a matemática que ensinamos na escola. Vamos lá.
Atualmente estou cursando a disciplina de Análise -com foco nos processos de ensino aprendizagem de matemática - ministrada pelo professor Victor Giraldo na UFRJ. Tenho me aventurado pelos caminhos da matemática formal há algum tempo e cursar esta disciplina me fez decidir abrir uma nova seção aqui no blog que é matemática para o ensino de um ponto de vista formal, onde relembraremos e estabeleceremos pontes entre a matemática que estudamos na universidade e a matemática que ensinamos na escola.
Hoje falarei da estrutura da operação de soma dentro do conjunto dos inteiros, esta temática está inserida no ensino de números reais, que é um tema sobre o qual tenho me debruçado há algum tempo desde que travei conhecimento da pesquisa de Ion Moutinho a respeito e com a qual me deparei novamente na disciplina do professor Victor. Assim sendo, neste texto divido com você leitor(a) as minhas considerações sobre esta estrutura e um jogo que desenvolvi para explorá-la, vamos lá?
Hoje falarei da estrutura da operação de soma dentro do conjunto dos inteiros, esta temática está inserida no ensino de números reais, que é um tema sobre o qual tenho me debruçado há algum tempo desde que travei conhecimento da pesquisa de Ion Moutinho a respeito e com a qual me deparei novamente na disciplina do professor Victor. Assim sendo, neste texto divido com você leitor(a) as minhas considerações sobre esta estrutura e um jogo que desenvolvi para explorá-la, vamos lá?
Soma e multiplicação como únicas operações possíveis?!
Durante as aulas desta disciplina me surpreendi com o fato de que, a rigor, "só existem" duas operações que são a soma e a multiplicação, uma vez que subtrair é somar com um número negativo (ou seja, pelo simétrico do número pelo qual se está somando (a-b é a rigor a+ (-b)) e dividir é multiplicar por uma fração própria (ou seja pelo inverso do número pelo qual se está dividindo) (a :b é a rigor a . 1/b). Neste texto irei falar especificamente da operação de soma, deixando para outro momento a discussão sobre a operação de multiplicação.
Mas o que é somar afinal?
Somar é caminhar na reta numérica, veja: no conjunto dos números naturais só é possível "caminhar" infinitamente para a direita sucessor a sucessor, o conjunto dos números inteiros traz a orientação para a matemática, ou seja, a partir da sua construção passa a ser possível "caminhar" para a direita ou para a esquerda com a operação de soma.
Mas não é possível subtrair no conjunto nos naturais????
A rigor não é possível, pois não existem simétricos no conjunto dos naturais, mas é claro que não vamos rasgar nem os livros didáticos e nem a nossa prática em sala de aula com este formalismo ok? Essa operação só não é possível dentro da matemática formal e, aqui estamos discutindo apenas ideias desta matemática para agregar informações para as nossas decisões didáticas para a sala de aula.
Formando os elementos do conjunto dos inteiros
Se o conjunto dos naturais é composto de um inteiro primeiro e menor que todos e de seus sucessores, o conjunto dos inteiros é composto de classes de equivalência da subtração* onde temos dois naturais a e b e somamos o natural b com o simétrico de a. Não entre em pânico! Vamos a exemplos numéricos que vão clarear a minha explicação!!!
Vejamos: suponha que a=4 e b=5, nos inteiros estes números perfazem a classe de equivalência 5+(-4)=1, ou seja, o número 1 é fruto dos infinitos a e b deste tipo, por exemplo: a=6 e b=7 que é 7+(-6)=1; a=8 e b=9 que é 9+(-8)=1 e por aí vai.... Todas as classes de equivalência em que b > a nos retornarão números positivos, ou seja a orientação para a direita.
Os números negativos são formados similarmente: suponha que a=5 e b=4, nos inteiros estes números perfazem a classe de equivalência 4+(-5)=-1, ou seja, o número -1 é fruto dos infinitos a e b deste tipo, por exemplo: a=7 e b=6 que é 6+(-7)=-1; a=9 e b=8 que é 8+(-9)=-1 e por aí vai.... Todas as classes de equivalência em que b < a nos retornarão números negativos, ou seja a orientação para a esquerda.
Agora é que vem o pulo do gato do conjunto dos inteiros, o nosso zero aqui é uma referência, pois o que está a sua direita é positivo e o que está a sua esquerda é negativo. E, você pode me perguntar, como se forma o zero no conjunto dos inteiros? Como você já deve estar imaginando, é quando na classe de equivalência a=b. Suponha que a=5 e b=5, nos inteiros estes números perfazem a classe de equivalência 5+(-5)=0, ou seja, o número 0 é fruto dos infinitos a=b, por exemplo: a=7 e b=7 que é 7+(-7)=0; a=9 e b=9 que é 9+(-9)=0 e por aí vai.... Todas as classes de equivalência em que a=b nos retornarão o zero, que passa a ser o nosso ponto de referência. [que é o elemento neutro da adição veja que aqui o que estamos fazendo é a soma de um número com o seu simétrico]
Agora sim podemos somar!
A figura abaixo ilustra como funciona a soma dentro do contexto que proponho, nela podemos ver a soma do número negativo 13 com o número positivo 19 como translações na reta, ou seja, partindo do 0 como nosso ponto de referência caminhamos 13 unidades para a esquerda e ao somar 19 à este número caminhamos 19 unidades para a direita chegando ao resultado final 6.
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Material adaptado a partir de applet criado por Ion Moutinho |
Somar é caminhar na reta de forma orientada!
Somar é transladar (deslocar), e dentro do conjunto dos inteiros, é transladar unidades para a direita (soma com números positivos), para esquerda (soma com números negativos) ou nenhuma unidade (soma com zero que é o elemento neutro da adição). E com esta ideia em mente criei o jogo da Translação com o objetivo de construir a ideia de adição como translação na reta e também associar a orientação ao conjunto dos inteiros como exposto neste texto.
O meu objetivo aqui é falar de orientação na reta, classes de equivalência e soma como translação de forma indireta formando o conceito sem falar dele e muito menos o ilustrando com notações e demonstrações em sala de aula. Então sem mais delongas, apresento o jogo e suas regras adiante.
O jogo da Translação
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Novo Design do Jogo por Profª Rose Cavalcante |
Este é um jogo de trilha onde se inicia no 0 (marcado por um x) e se caminha tantas casas quantas forem sorteadas em um dado que contém números positivos e negativos. Aqui podem jogar duas pessoas de cada vez e cada um dos participantes pode utilizar uma borracha ou um apontador para marcar a sua posição, o zero é o ponto de partida e ponto de referência do jogo, as casas à sua direita são positivas e à sua esquerda são negativas. Ganha quem chegar primeiro tanto no ponto de chegada à esquerda quanto quem chegar no ponto de chegada à direita, ou seja, neste contexto caminhar para o lado negativo ou para o positivo não é bom nem ruim em si o que contribui para desconstruir a aversão dos alunos aos números negativos**.
Regras do jogo
Para iniciar o jogo os participantes decidem no par ou ímpar quem começa e a cada rodada jogam um dado de 6 lados em que cada lado tem um número e um sinal, a saber: +1, -2, -3, +4,- 5, +6, os números indicam quantas casas o participante andará e os sinais indicam a direção para a qual ele(a) andará, as casas da trilha estão marcadas com bolinhas. Por exemplo, o primeiro participante sorteia o número -2, isto significa que ele andará duas casas para a esquerda, se na rodada seguinte ele tirar o número +5 ele volta para a direita do passando pelas as duas casas que andou e caminha mais 3 casas terminando na terceira casa à direita do zero, e assim sucessivamente até que um dos participantes chegue a um dos finais da trilha.
Este jogo tem casas especiais de ação, marcadas por estrelas douradas, prateadas e marrons:
Nas estrelas douradas o participante pode escolher o sinal do número que tirou, ou seja, se ele já estava caminhando para a esquerda e tirou um número positivo isto irá afastá-lo da chegada, portanto essa casa permite que ele mude o sinal do número para negativo e continue caminhando na direção da chegada à esquerda.
Nas estrelas prateadas o participante pode escolher mudar a quantidade de casas que irá andar, mas não o sinal, ou seja, se ele já estava caminhando para a esquerda e tirou um número positivo isto irá afastá-lo da chegada; portanto, essa casa permite que ele mude a quantidade de casas a andar para uma, por exemplo, e se afaste o mínimo possível da direção da chegada à esquerda.
Nas estrelas marrons o participante fica uma rodada sem jogar.
O download do tabuleiro e das regras do jogo em PDF pode ser feito clicando aqui, é só baixar, imprimir e jogar!
Download
O download do tabuleiro e das regras do jogo em PDF pode ser feito clicando aqui, é só baixar, imprimir e jogar!
Para finalizar
Acredito fortemente que as ideias que estão por trás dos objetos matemáticos devem estar no centro das nossas discussões em sala de aula e que o espaço escolar pode e deve ser um local para nos aventurarmos longe de uma matemática meramente procedimental, algorítmica e excessivamente centrada em fórmulas. Vamos juntos e juntas desconstruir essa visão tecnicista da nossa bela Rainha das Ciências.
Agradecimentos
Agradeço ao professor Victor Giraldo por problematizar o ensino da matemática tanto conosco, seus alunos e alunas, quanto em seus livros e palestras; Ao professor Ion Moutinho cujas pesquisas fizeram com que eu me apaixonasse pelo ensino dos números Reais, ao professor Luiz Felipe Lins e às professoras Loisi e Cris que me mostraram como os jogos podem auxiliar no aprendizado, de fato, da Rainha das ciências, ao meu filho Tiago que me ajudou a deixar este jogo mais divertido propondo as casas de ação e jogando-o e modificando-o inúmeras vezes comigo com vistas a deixá-lo mais dinâmico e, finalmente, mas não menos importante, ao meu marido Nazareno pela revisão deste texto. A vocês o meu muito obrigada!!!
* Em matemática, dado um conjunto X com uma relação de equivalência, a classe de equivalência de um elemento z pertencente a X é o subconjunto de todos os elementos de X que são equivalentes a z.
** Essa ideia de tanto os negativos quanto os positivos terem pontos de chegada é do professor Luiz Felipe Lins.
* Em matemática, dado um conjunto X com uma relação de equivalência, a classe de equivalência de um elemento z pertencente a X é o subconjunto de todos os elementos de X que são equivalentes a z.
** Essa ideia de tanto os negativos quanto os positivos terem pontos de chegada é do professor Luiz Felipe Lins.